O melhor fio de seda do mundo é obra de
bichos do Paraná. Os bichos-da-seda propriamente ditos e as 4 mil famílias de
criadores do estado, responsável por 92% da produção nacional de casulos de
seda.
A maior parte dessas famílias, cerca de
3 mil, se concentra em 29 municípios do Noroeste, no chamado Vale da Seda, o
maior polo de produção de casulos do Ocidente. Desde sempre voltada à
exportação do fio, a região tenta agora formar uma verdadeira cadeia produtiva,
que transforme a seda crua em produto final e multiplique a geração de
riquezas. Os ganhos são evidentes: um quilo de casulo de primeira qualidade,
pelo qual o criador recebe cerca de R$ 13, rende até quatro echarpes de seda de
R$ 90 cada.
Matéria-prima de qualidade não falta.
Resultado da combinação de clima propício, décadas de melhoramento genético e
dedicação dos criadores, o fio com que as lagartas daqui tecem o casulo é de
excelência, conforme atestam grifes como a francesa Hermès, que desde 2006 só
usa fio brasileiro em seus lenços de seda, vendidos a US$ 600.
Com poucas exceções, hoje a cadeia
produtiva do setor começa e termina nessa empresa. É ela quem fornece as larvas
de bicho-da-seda e a assistência técnica aos produtores, e mais tarde compra e
beneficia os casulos. Cerca de 90% do fio que ela produz vai para o exterior,
principalmente o Japão, e o restante é vendido a confecções do Sudeste.
“Meu sonho é que daqui a 30 anos, todo
viajante que passar pela região e quiser algo bem típico, compre uma peça de
seda”, diz João Berdu Garcia Junior, presidente do Instituto Vale da Seda, que
desenvolve projetos para agregar valor à produção local. A região, afinal,
margeia o “corredor da moda” que vai de Londrina a Cianorte, um polo de
confecções com cerca de 4 mil empresas. Dessas, umas 100 teriam condições de
produzir peças de seda, estima Berdu.
O instituto também quer valorizar a
produção artesanal e multiplicar iniciativas como a da cooperativa Artisans
Brasil, formada por 37 mulheres da área rural do município de Nova Esperança.
Nas horas vagas, elas produzem cachecóis de seda – produtos que, dentro de um
projeto do Sebrae, em 2014 estarão à venda nas 12 subsedes da Copa do Mundo.
Lagarta recebe tratamento vip
Atividade tipicamente familiar, criar
bicho-da-seda requer muita disposição. Tarefa para gente como Nivaldo Vilas
Boas Simões, 53 anos, há 29 na atividade.
Morador da área rural de Nova Esperança,
ele se levanta às 4 da manhã para dar de comer à criação.
Antes da primeira luz
do dia, vai à lavoura colher folhas de amoreira, que depois espalha
cuidadosamente sobre milhares de lagartas acomodadas em esteiras dentro de um
galpão. Ele e a esposa, Creonice, repetem o ritual até cinco vezes ao dia, para
garantir que não falte folha fresca ao bicho, que só se alimenta da amoreira. A
lagarta retribui o carinho após um mês de criação, quando começa a tecer o
casulo, trabalho que dura de três a quatro dias.
Tanto esmero do criador – típico do
método de criação herdado da colônia japonesa e empregado há quase um século no
país – tem sua recompensa. A produção brasileira, de 3 mil toneladas de casulo
por ano, não chega a 1% do total mundial, mas em termos de qualidade deixa para
trás gigantes como China e Índia. No Brasil, 95% dos casulos são de primeira:
têm em média 1,2 mil metros de fio ininterrupto cada um, sem defeitos. Na Ásia,
que apostou em raças que dispensam maiores cuidados, nem metade da produção
atinge esse nível.
Laboratórios preservam e cruzam raças
Domesticado há cerca de 3 mil anos, na
China, o bicho-da-seda é a larva da mariposa Bombyx mori, que desde então
não existe na natureza. Na sericicultura, o ciclo de vida da espécie é
interrompido antes da formação da mariposa – por meio de calor, o bicho é
sacrificado no estágio de pupa, logo após formar o casulo, para preservar o fio
intacto.
As raças e híbridos cultivados hoje
foram cuidadosamente selecionados ao longo dos últimos séculos, e toda a
reprodução é controlada pelo homem. No Paraná, dois laboratórios cuidam da
preservação de raças e do melhoramento genético do bicho-da-seda: o da fiação
Bratac e o da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que herdou os bancos
genéticos da Cocamar e da Fujimura, que abandonaram a sericicultura.
A UEM tem um banco com 50 germoplasmas,
dos quais 35 são raças provenientes da China, Índia e Japão. Seu principal
projeto, iniciado em 2010, busca desenvolver um híbrido rústico do
bicho-da-seda, que produza um fio mais adequado às fiações artesanais da região
do Vale da Seda. “Já selecionamos seis híbridos de boa produtividade, e agora
vamos avaliar como eles reagem às diferentes condições do ambiente. O trabalho
deve durar mais uns três anos”, conta a pesquisadora Roxelle Munhoz.
De rejeito a objeto de desejo
O empreendimento mais inovador do Vale
da Seda nasceu de uma escolha inusitada. Em uma região que produz fios
reconhecidos pela qualidade, a fiação artesanal O Casulo Feliz, de Maringá,
optou por usar como matéria-prima justamente os casulos defeituosos, rejeitados
pela indústria. E o que era rejeito se transformou em objeto de desejo.
Criada em 1988 pelo zootecnista Gustavo
Augusto Serpa Rocha, a empresa tem 30 funcionários e fatura cerca de R$ 3
milhões por ano. Fornece tecido para grifes como Osklen, Animale e Cantão, e
peças de decoração e figurino para novelas e minisséries da Globo e da Record.
No início O Casulo Feliz era voltado à
área de decoração, com produtos como tapetes e cortinas. Mas deslanchou há uma
década, quando entrou para o mundo da alta moda. A venda de tecidos para grifes
renomadas representa 60% das receitas. A área de decoração tem 20%, e as vendas
para a tevê já respondem por 20%.
“As pequenas imperfeições fazem de cada
peça uma peça única, inimitável. O que era defeito vira efeito”, conta Rocha.
“Enquanto a seda chinesa sai por R$ 30 ou R$ 40 o metro, a nossa custa mais de
R$ 100.”
Quem faz
• Ano de fundação: 2009 (Instituto
Vale da Seda)
• Em que área atua: Vestuário
• Cidade: 29 municípios do Noroeste
do Paraná
• Trabalhadores: Mais de 3 mil
famílias
• Posição no mercado: O Paraná
responde por 92% da produção nacional de casulos
• Por que é bem feito: O Vale da
Seda faz o melhor fio do mundo porque investe no melhoramento genético das
lagartas e conta com a dedicação dos criadores e um clima propício ao
bicho-da-seda
Gazeta do Povo
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